O Rei Yeonsangun: poder, loucura e solidão — A Verdade Por Trás De Bon Appétit, Your Majesty
- Van Borh

- 8 de nov.
- 4 min de leitura
Há figuras históricas que parecem destinadas a serem lembradas não apenas pelos feitos, mas pelas feridas que deixaram em uma nação. O Rei Yeonsangun, décimo monarca da Dinastia Joseon, é uma dessas presenças incômodas — um homem cuja história mistura dor pessoal, vingança e uma trajetória que desceu, pouco a pouco, à escuridão do poder absoluto.

Quando assistimos a Bon Appétit, Your Majesty, o drama que transforma esse rei em um personagem de ficção envolto em humor e romance, é inevitável perguntar: quem foi, de fato, esse soberano que ainda inspira narrativas séculos depois?
A ascensão do príncipe Yi Yung
Yeonsangun nasceu em 1476 como Yi Yung, filho do Rei Seongjong e da Deposta Rainha Yun. Seu nascimento, que deveria garantir a continuidade tranquila da linhagem, foi marcado pela tragédia: sua mãe foi executada por ordem do próprio rei, acusada de comportamento ciumento e violento.
O menino cresceu sem saber da verdade. Acreditava que sua madrasta, a Rainha Jeonghyeon, era sua mãe. Essa mentira, construída para proteger o trono, seria a semente de sua ruína. Quando, anos mais tarde, ele descobriu a execução de Yun e a conspiração que a cercou, a dor transformou-se em ódio — e o ódio, em tirania.
Em 1494, Yi Yung subiu ao trono. A corte, inicialmente, viu nele um jovem culto e promissor. Mas os ventos mudariam rapidamente.
O início de um reinado e o abismo do poder
No começo, Yeonsangun tentou governar com equilíbrio. Era inteligente, curioso e parecia interessado em fortalecer o Estado. Porém, o poder absoluto é um espelho cruel: mostra o que há de mais profundo em nós.
Quando a verdade sobre sua mãe veio à tona, ele desabou. Ordenou que os responsáveis pela execução de Yun fossem punidos — e a punição se transformou em massacre. Foi o início das Purgas dos Literatos (sa-hwa), quando estudiosos, ministros e oficiais foram perseguidos, torturados e executados por opiniões ou alianças políticas.
A partir daí, o rei começou a confundir justiça com vingança, e governo com domínio. Fechou academias, proibiu o uso do hangul (o alfabeto coreano), expulsou famílias de suas casas para erguer palácios e jardins, e transformou a Universidade Sungkyunkwan — símbolo do pensamento confucionista — em um lugar de festas pessoais.
O povo vivia com medo. Os conselheiros, em silêncio. E Yeonsangun, isolado em seu próprio trono, começou a se perder.

Loucura, dor e a sombra da solidão
Há algo profundamente humano na queda de Yeonsangun. Por trás da brutalidade, havia o eco de uma criança ferida — alguém que nunca superou a perda da mãe e que buscou, no controle, a ilusão de cura. Mas o poder absoluto não cura: ele apenas amplia o vazio.
Crônicas da época contam que o rei se cercava de músicos, dançarinas e risos forçados, tentando apagar o peso do passado. Mandou abrir túmulos, arrastar corpos, e impôs um regime de terror que apagou boa parte da vida cultural de Joseon.
Seu reinado foi um grito desesperado contra a própria dor — e, talvez, uma lição atemporal sobre o perigo de deixar o sofrimento se transformar em instrumento de poder.
O golpe e o fim de um reinado
Em 1506, após doze anos de terror, a paciência da corte chegou ao fim. Nobres e militares organizaram um golpe de Estado, depuseram Yeonsangun e colocaram seu meio-irmão, Jungjong, no trono. (Essa parte da história é retratada no drama "Rainha por 7 dias")
O antigo rei foi exilado para a ilha de Ganghwa. Lá, sem coroa e sem corte, morreu dois meses depois — aos trinta anos. Não recebeu nome de templo, uma das maiores desonras possíveis na tradição coreana.
Seu nome ficou marcado nos anais da história como o símbolo do descontrole, da insanidade e do preço da vingança.
O legado de Yeonsangun: entre mito e humanidade
Séculos depois, estudiosos coreanos ainda debatem Yeonsangun. Teria sido realmente um monstro, ou um homem devastado pela tragédia? As fontes históricas foram escritas pelos que o depuseram, e por isso carregam o peso da propaganda política. Mas, mesmo que parte dos relatos tenha sido exagerada, é inegável que seu reinado mergulhou Joseon em uma era de medo e silêncio.
O mais curioso é como a Coreia atual, tão diferente daquela dinastia antiga, continua fascinada por figuras como ele. A história de Yeonsangun aparece em filmes, dramas e romances — talvez porque, no fundo, todos reconhecemos um pouco da luta humana entre razão e emoção, entre ferida e poder.
Entre o real e o ficcional: o rei de Bon Appétit, Your Majesty
O rei do drama, chamado Lee Heon, é um retrato suavizado — ainda autoritário, mas envolto em charme e humor.
O drama mistura fantasia e romance: uma chef moderna viaja no tempo e acaba cozinhando para o rei da Joseon antiga. O tom é leve, doce, às vezes cômico, mas por trás da ficção há ecos da realidade. A solidão do monarca, o medo de ser traído, a dificuldade em confiar em quem o cerca — tudo isso reflete o que os registros históricos contam sobre Yeonsangun.
Enquanto na história real ele destruía para tentar preencher o vazio, na série ele aprende, aos poucos, a nutrir — com afeto, comida e humanidade. É uma inversão poética: o drama transforma o rei tirano em alguém capaz de se redimir pelo amor.
Talvez por isso tanta gente se apaixone por essas narrativas. Elas nos dão a chance de imaginar o que a história negou: a possibilidade de cura.
O eco do passado
Ao estudar a vida de Yeonsangun, percebo que há uma linha muito tênue entre autoridade e tirania, entre ferida e fúria. É uma história sobre os limites da dor humana, mas também sobre o desejo universal de ser compreendido.
E é bonito ver como a Coreia transforma suas cicatrizes em arte — em dramas, romances, histórias que nos convidam a olhar para dentro de nós mesmas. Talvez seja isso que Bon Appétit, Your Majesty faz: serve, com leveza, o banquete simbólico daquilo que a história real jamais ofereceu — empatia.
Porque no fim, mesmo os reis mais temidos são apenas humanos tentando sobreviver às próprias sombras.





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