Os Chineses de Hoje Ainda Seguem os Princípios do Confucionismo ou se Tornaram Completamente Ocidentalizados?
- Van Borh
- 18 de mai.
- 5 min de leitura

É comum ouvirmos a afirmação de que Confúcio é a base da civilização chinesa. No entanto, é preciso cautela ao fazer uma generalização tão ampla.
Dito isso, podemos concordar que o confucionismo desempenhou um papel crucial e serviu como ideologia fundamental na China, embora, na prática, tenha se manifestado como uma mistura de confucionismo e legalismo. Mas será que a crescente ocidentalização fez com que a China abandonasse seus princípios confucionistas?
Argumento que os chineses de hoje ainda exibem comportamentos alinhados com o confucionismo, mas suas motivações subjacentes se distanciaram dos ideais originais de Confúcio.
O Confucionismo Clássico: Virtude, Harmonia e o Mandato do Céu
Quais eram as motivações dos confucionistas da velha guarda? Em resumo, buscavam o autocultivo – o desenvolvimento das virtudes. Acreditavam que se cada indivíduo compreendesse e praticasse as virtudes, a ordem natural das coisas seria reconhecida, garantindo a estabilidade social.
A razão fundamental para seguir essas virtudes e buscar uma sociedade ordenada residia no cumprimento dos desejos do Céu (o cosmos e além). Implícito em tudo isso estava um profundo senso de harmonia – em níveis individual, social e cósmico.
Como então se trilhava uma vida virtuosa? Confúcio ensinava que o caminho para a virtude passava pelo reconhecimento das relações ordenadas e obrigatórias (yi 義) em que existimos, pelo amor a todos dentro dessas relações (ren 仁) e pela obediência aos superiores enquanto se guiava os inferiores (zhong 忠).
Ele considerava o respeito pela família (xiao 孝) como a forma mais eficaz de internalizar esses princípios desde cedo. A educação era altamente valorizada como o principal método para conhecer a verdade e, consequentemente, segui-la (zhi 智).
Finalmente, indivíduos e sociedade poderiam alcançar um estado de moderação e harmonia através de rituais e música (li 禮).
Este sistema é inerentemente coletivista. Embora o indivíduo e seu autocultivo fossem importantes, eles sempre serviam a um propósito interconectado maior.
Ações voltadas para a autopreservação egoísta, como buscar riqueza ou poder às custas dos outros, eram consideradas grandes transgressões. Confúcio frequentemente contrastava a grandeza de uma pessoa pobre que se cultivava e cumpria seu papel com a insignificância de uma pessoa rica que alcançava sua posição por meios egoístas.
A Influência da "Ocidentalização": Individualismo e Materialismo
No contexto chinês, duas tendências sociais ocidentais se destacam: o individualismo e o materialismo.
O individualismo postula que cada indivíduo possui valor intrínseco e direitos inerentes à sua existência. Seus objetivos e desejos são primordiais, e ele tem a liberdade de escolher o caminho que deseja seguir.
Embora a ênfase confucionista no autocultivo individual possa superficialmente se assemelhar ao individualismo, a divergência se torna clara quando o individualismo se associa ao materialismo.
Filosoficamente, o materialismo é uma visão de mundo que considera o universo indiferente a nós, fundamentalmente redutível a fenômenos observáveis e, de certa forma, "inerte". Socialmente, manifesta-se na ideia de que a busca por bens materiais é legítima e não inerentemente errada.
O "Confucionismo Moderno": Uma Fachada de Tradição com Novas Motivações
É inegável que a China se tornou progressivamente mais individualista e materialista. Essa transformação, sem dúvida, corrói a essência da visão de mundo coletivista e espiritualmente inspirada de Confúcio.
No entanto, a unidade familiar permanece forte na China. A obediência filial ainda é esperada. A educação continua a ser altamente valorizada, com estudantes dedicando inúmeras horas aos estudos.
Há uma notável sensibilidade em relação aos sentimentos e opiniões dos outros, e a preocupação em "salvar a face" é evidente. O Partido Comunista Chinês legitima seu governo alegando ter melhorado a vida de todos e se importar com seus cidadãos.
Mas, observando de perto, percebemos nuances importantes. Pais frequentemente direcionam seus filhos a estudar áreas com potencial financeiro, negligenciando seus interesses.
O foco em Ciência, Matemática e Tecnologia muitas vezes eclipsa ensinamentos filosóficos sobre o desenvolvimento pessoal. "Salvar a face" parece mais ligado a evitar a vergonha pessoal do que a buscar o autoaperfeiçoamento genuíno.
O desenvolvimento de uma economia de mercado enriqueceu muitos, mas também erodiu rituais coletivos tradicionais. E, fundamentalmente, o Mandato do Céu desapareceu em uma visão de mundo materialista que não pode acomodar tal conceito metafísico.
Em outras palavras, as pessoas ainda cultivam a sensibilidade aos sentimentos alheios, um senso de dever familiar e respeito pela educação, mas a motivação subjacente parece ser evitar a vergonha pessoal e alcançar sucesso financeiro e status.
Esse cenário é resultado de diversos fatores, mas o materialismo individualista, emergindo como uma resposta bem-sucedida aos horrores do século XX, certamente desempenhou um papel significativo na ascensão da importância do dinheiro e do status.
A ideia de buscar esses comportamentos por uma vida virtuosa, para o bem comum da ordem social e em alinhamento com a vontade do Céu parece ter se perdido.
A Essência Perdida: A Importância da Motivação para Confúcio
Essa mudança de motivação realmente importa? Confúcio certamente acreditava que sim. Considere estas citações dos Analectos:
“O mestre disse: Aquele que habita no trono e não é tolerante, aquele que realiza li [ritual] e não é reverente, aquele que participa de um funeral e não chora – o que tenho eu a aprender de qualquer um destes?” (3:26)
“O mestre disse: Conhecer não é tão bom quanto amar; amar não é tão bom quanto sentir alegria nisso.” (6:20)
“O mestre disse: Se você estudar, mas não refletir, você estará perdido. Se você refletir, mas não estudar, você terá problemas.” (2:15)
Na primeira e segunda citações, Confúcio aponta que qualquer um pode realizar rituais, governar ou possuir conhecimento. No entanto, essas ações são vazias sem a apreciação genuína do sentimento que as acompanha. Na terceira citação, ele enfatiza que o estudo sem reflexão sobre sua relevância pessoal é inútil.
Não basta apenas agir; as motivações por trás da ação são cruciais. A China ainda "faz" o confucionismo rotineiramente, como sempre fez – mas hoje as motivações para esse comportamento estão enraizadas no materialismo individualista ocidental.
No entanto, há uma reação acadêmica a essa tendência. Tu Weiming, por exemplo, tem instado os jovens chineses a reconhecerem o aspecto espiritual do confucionismo, o valor de conceitos como Tian (Céu) e a responsabilidade que isso acarreta não apenas para a família e a comunidade, mas também para o desenvolvimento pessoal como ser humano. O individualismo ocidental pode, em teoria, coexistir com as motivações confucionistas, mas o materialismo individualista não.
Observação: É importante esclarecer que, embora eu acredite que o individualismo ocidental corroeu alguns princípios confucionistas, isso não implica que o confucionismo operasse perfeitamente alinhado com os ideais de Confúcio antes da chegada da influência ocidental na China.
O máximo que posso afirmar é que, antes do materialismo individualista ocidental, havia, a meu ver, um maior reconhecimento das motivações do confucionismo, em grande parte devido ao estudo dos textos clássicos pelos estudiosos. Hoje, essa consciência parece ter diminuído.
Comments